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domingo, 18 de novembro de 2007

O G-4 e a Reforma do Conselho de Segurança - Parte I

Caros amigos do Diálogo Diplomático,

Estou de volta depois de uma semana, desta vez para tratar de um dos temas que mais têm concentrado a atenção da política externa brasileira: a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Talvez de forma surpreendente, não houve ainda no concurso uma questão específica sobre este assunto, que pode - eu disse pode - ser uma aposta para as próximas provas.

A reforma do Conselho de Segurança tem sido debatida nas Nações Unidas pelo menos desde 1993, quando foi estabelecido por resolução da Assembléia Geral (A/48/26) o chamado Open-Ended Working Group (OEWG), encarregado de estudar as principais dimensões de uma eventual reforma do Conselho e, a partir de consultas com os Estados membros, apresentar sugestões pertinentes. Em 1997, o OEWG produziu seu primeiro resultado concreto, o chamado Plano Razali, que propunha a adição de cinco membros permanentes e de quatro não-permanentes ao Conselho. O Plano propunha ainda um draft de resolução da Assembléia Geral que previa, inclusive, a data da eleição dos novos membros permanentes: 28 de janeiro de 1998. Evidentemente, não se logrou reforma alguma, em grande parte porque superestimou-se o clima de euforia que viviam as Nações Unidas no imediato pós-Guerra Fria, e que começaria a ser desfeito com as crises da Somália (1993) e de Ruanda (1994), dando mais visibilidade ainda à relativa paralisia do principal órgão das Nações Unidas em lidar com problemas e desafios típicos do pós-Guerra Fria.

O ímpeto por reformas da Organização como um todo seria retomado durante a gestão de Kofi Annan (1997-2007). As mudanças pelas quais passou a cena internacional no período foram decisivas para alimentar a percepção de que a ONU deveria ser reformada, sob pena de não conseguir fazer frente aos desafios de um mundo radicalmente diferente daquele em que fora criada, em 1945, e de não conseguir cumprir os objetivos instituídos pela Carta de São Francisco. O 11 de Setembro e, especialmente, a II Guerra do Golfo confrontaram as Nações Unidas como marcos de uma nova era para a qual a Organização parecia não estar preparada.

Em 2003, Annan instalou um painel composto por 16 pessoas eminentes no cenário internacional, o Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança. O Painel apresentaria seu relatório em novembro de 2004 - "A More Secure World: Our Shared Responsibility" -, em que reafirmaria a necessidade de reforma do Conselho de Segurança, pautada por quatro princípios fundamentais: 1) aumentar o envolvimento dos Estados membros que mais contribuem para com a Organização; 2) aumentar a representatividade do Conselho; 3) manter sua eficiência; e 4) torná-lo mais democrático e transparente. Com base nestes princípios, o relatório sugeria ainda duas alternativas para a reforma do Conselho - o que, por si, já refletia a dificuldade de levar a cabo uma reforma abrangente, pois nem mesmo o Painel fora capaz de chegar a uma sugestão consensual entre seus 16 participantes. O Modelo A previa a admissão de seis novos membros permanentes, sem direito a veto, dos quais dois seriam da África, dois da Ásia, um das Américas e um da Europa. O Modelo B previa a admissão apenas de membros não-permanentes: oito assentos com mandatos de dois anos renováveis e dois assentos com mandatos de dois anos não-renováveis.

Em março de 2005, Kofi Annan publicou um extenso relatório, no qual defendia a necessidade de uma reforma abrangente da Organização. "In Larger Freedom: Towards Development, Security, and Human Rights for All" afirmava, em relação ao Conselho de Segurança, que este órgão "reflete o mundo de 1945, não o do século XXI", e que "ele deve ser reformulado de modo a incluir os Estados que mais contribuem para com a Organização [...] e a representar de forma mais ampla o atual corpo de membros da ONU". Segundo Annan, chegara o momento oportuno de se empreender uma reforma abrangente da Organização, e os chefes de Estado e de governo de todo o mundo deveriam aproveitar a realização da Cúpula Mundial (14 a 16 de setembro de 2005) para fazê-lo.

Parecia iniciar-se um momento único na história das Nações Unidas, e a reforma de seus principais órgãos surgia pela primeira vez como algo perfeitamente realizável. Estados que havia muito nutriam expectativas quanto a uma reforma do Conselho de Segurança passaram a agir e organizar-se em torno de propostas que, uma vez mais, refletiriam a total falta de consenso quanto a que tipo de reforma empreender.

Creio que isto oferece um razoável pano de fundo para se entender a criação e a atuação do G-4, que será tema de um próximo texto. Espero que este tenha sido útil para fornecer-lhes os primeiros passos para um estudo mais aprofundado da questão, que continua a se desenrolar no âmbito das Nações Unidas. A esse respeito, vale a pena acompanhar os desdobramentos: a reforma do Conselho de Segurança será, mais uma vez, tema da agenda dos debates da Assembléia Geral nos próximos meses.

Abraços e até uma próxima vez!

5 comentários:

Anônimo disse...

Não tenho dúvidas de que o texto contribui muito pra quem está estudando. Ficamos na espera da parte 2!

Anônimo disse...

Parabéns pelo excelente texto, Fábio - com ele, realmente temos uma introdução e uma motivação para nos aprofundarmos no tema da reforma da ONU.. Aliás, muito boa também foi a sua resenha sobre a biografia do Gibson Barbosa, que me motivou a ler o livro, coisa que farei em breve.
Sobre a reforma da ONU - como sobre temas outros de política internacional - o candidato depara-se com um problema frequente: a ausência de fontes confiáveis sobre a questão. Sendo assim, pergunto: que livros ou artigos devemos consultar sobre a reforma da ONU, e, principalmente, sobre os interesses brasileiros na questão? Já que não há uma "obra-chave", definitiva sobre o tema, o que devemos fazer? Ler artigos, observar o site da ONU, dissecar textos de jornais?
Ê matériazinha complicada de estudar, sô!
Abraço.

IgorTB disse...

Parabéns pela iniciativa do texto, Fábio. Apesar de conciso, está bastante completo e esclarecedor.

Abraços

Anônimo disse...

Fico contente pela boa repercussão do texto. Agradeço pelos comentários.
bom, apesar de ser um tema candente, a reforma da ONU não é tema de nenhum livro específico, bom, publicado no Brasil. Nem mesmo a Funag ou o IPRI lançaram publicações abrangentes. Como conseqüência, as fontes mais confiáveis são os artigos. Mais uma vez, RelNet é fonte obrigatória. Há dois anos, a Política Externa lançou uma edição inteira sobre o assunto, vale a pena conferir: volume 14, nº 2, set-nov/2005.
O site da ONU também é referência obrigatória. Mas tem um outro site, de uma ONG chamada 'Reform the UN', que é muito abrangente e traz os documentos sobre o assunto organizados de forma clara e objetiva.
Uma última dica: a Funag tem um livro chamado "O G-4 e as Nações Unidas" - uma coletânea de documentos e textos sobre o assunto. É uma boa referência.
Abraços a todos!
(PS: anônimo, que bom que se sentiu motivado a ler o livro do Ministro Gibson! Vale muito a pena, é uma ótima obra, excelente para quem é e não é diplomata).

Anônimo disse...

Desculpem a falha... Citei o site da ONG Reform the UN sem mencionar o endereço...
www.reformtheun.org.

Abraços