O G-4 foi criado formalmente em 21 de setembro de 2004, logo após uma reunião que, a convite do Primeiro-Ministro do Japão, Junichiro Koizumi, envolveu o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Vice Primeiro-Ministro da Alemanha, Joschka Fischer, e o Primeiro-Ministro da Índia, Manmohan Singh. A reunião aconteceu em Nova York, às vésperas da inauguração do 59º período de sessões da Assembléia Geral. Em comunicado à imprensa, os quatro mandatários afirmaram a importância da reforma das Nações Unidas, inclusive do Conselho de Segurança, que "precisa refletir as realidades da comunidade internacional do século XXI". Defendiam a inclusão, no Conselho, de "forma permanente, [de] países que tenham a vontade e a capacidade de assumir as responsabilidades mais significativas em relação à manutenção da paz e segurança internacionais". Pela declaração, expressavam ainda seus apoios mútuos a suas candidaturas a membros permanentes, apontando, igualmente, para a necessidade de inclusão de países africanos na mesma categoria de membros.
Ao longo do final de 2004 e no primeiro semestre de 2005, o G-4 continuou a reunir-se com vistas a desenvolver uma estratégia única para lograr a reforma do Conselho de Segurança. Após intensas consultas mútuas, o G-4 fez circular, em maio de 2005, entre os Estados membros das Nações Unidas, uma proposta de reforma do Conselho, baseada no Modelo A do Plano Razali e do relatório "In Larger Freedom". Propunha o G-4 a criação de seis novos assentos permanentes com direito a veto. A proposta, como se poderia prever, foi recebida com frieza por grande maioria dos membros da Organização, por conta, em especial, da extensão do poder de veto a eventuais novos membros permanentes.
Em 6 de julho de 2005, o Grupo apresentaria um projeto de resolução à Assembléia Geral, que refletia sua proposta inicial; seis novos membros permanentes (dois da África, dois da Ásia, um da Europa e um da América Latina) e quatro novos membros não-permanentes. A principal alteração ficava por conta do poder de veto - o G-4 propunha que, inicialmente, os novos membros permanentes não exerceriam poder de veto, questão sobre a qual decidiria de forma definitiva uma conferência de revisão a ser realizada 15 anos após a entrada em vigor da reforma proposta (para o draft de resolução, veja-se o documento A/59/L.64).
Os desdobramentos dos debates revelaram um racha incontestável na Assembléia Geral. Em 18 de julho, a União Africana (UA) - com quem o G-4 entretinha todo tipo de consultas e negociações - apresentou uma proposta radical, que previa a inclusão de 11 membros, incluindo 6 permanentes com direito a veto (A/59/L.67). Na tentativa de dobrar a oposição de parte dos membros da Assembléia, o G-4, ao abrir mão do poder de veto, acabou perdendo o apoio dos 53 Estados da UA.
Três dias após, um outro grupo, o Uniting for Consensus, formado por países que se opunham ao plano de reforma do G-4, apresentou uma terceira proposta, pela qual defendia a inclusão apenas de 10 assentos não-permanentes e a abolição da não-reeleição para mandatos consecutivos (A/59/L.68).
Aos desacordos entre três propostas diferentes juntou-se a oposição da China e dos Estados Unidos à reforma do Conselho - apesar de os dois países defenderem "uma reforma", é pouco provável que isso vá além de um exercício retórico. Aprovar a reforma do Conselho de Segurança passou a ser tarefa impossível. O clima de otimismo criado pela Cúpula Mundial de setembro de 2005 foi efêmero, e não conseguiu suplantar os profundos desacordos existentes entre os membros quanto à reforma do órgão mais importante da ONU.
A 59ª Assembléia Geral chegou ao fim sem que as discussões avançassem. A Cúpula Mundial, da mesma forma, não produziu qualquer acordo substantivo - a mídia foi prolixa em registrar os esforços do então embaixador dos Estados Unidos, John Bolton, em minar o documento final que já havia sido produzido, em versão preliminar, para a aprovação dos Chefes de Estado e de governo. A oposição dos Estados Unidos e o desacordo entre os membros da ONU impediram qualquer acordo sobre a reforma do órgão, e o mesmo resultado se verificou na 60ª Assembléia Geral.
Em 6 de janeiro de 2006, o Japão recusou-se a apoiar uma nova proposta colocada em discussão por Alemanha, Brasil e Índia. Não obstante, os quatro governos negam o fim do G-4, e afirmam que continuarão a concertar posições comuns sobre a reforma do Conselho. Pode-se especular sobre os motivos que levaram Tóquio a não apoiar os outros membros do Grupo em mais uma tentativa de emplacar a desejada reforma. Sabe-se que os Estados Unidos apóiam explicitamente a admissão do Japão, o que poderia ter feito Tóquio reconsiderar sua posição no âmbito do G-4; pode-se apostar, por outro lado, que, ao se afastar do Grupo, o Japão esteja lançando mão de um estratagema, com a intenção de dobrar a resistência da China a apoiar a posição do Grupo (o grande problema da China é a admissão do Japão como membro permanente). Especulações, apenas, mas que merecem certa reflexão.
A agenda do 61º período de sessões da Assembléia Geral inclui a discussão sobre a reforma do Conselho de Segurança (item "Question on the Equitable Representation on and Increase in the Membership of the Security Council). Este é um tema que deverá ser acompanhado de perto, não apenas por ser de importância para os candidatos do CACD, mas por envolver diretamente interesses da Diplomacia brasileira.
Abraços!
6 comentários:
Estupendo, preciso, fantástico texto.
Longa vida ao Diálogo Diplomático.
Muito bacana a reflexão. Depois do explícito apoio do Nicolas Sarkozy à entrada do Brasil (feito em discurso frente a todos os embaixadores da França no mundo), o tema certamente ganhou maior entusiasmo...
De fato, a França e o Reino Unido apóiam explicitamente o projeto de reforma do G-4 desde o início, e foram co-patrocinadores do draft de resolução apresentado à Assembléia Geral. Apesar de ter perdido seu momentum, que se deu em 2005, por ocasião da Cúpula Mundial, a reforma ainda é um tema candente, e promete novos desdobramentos.
Fábio,
Gostaria de entender mais sobre o assunto. Com o perdão da minha ignorância sobre o tema, o que esse poder de veto no Conselho de Seguranga representa?
Larissa
O Conselho de Segurança, órgão das Nações Unidas responsável pela manutenção da paz e da segurança internacionais, é formado por 15 membros: cinco deles são permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia), e os outros dez são países eleitos para períodos de 2 anos não-renováveis.
Pois bem, a Carta prevê que as decisões não-procedimentais do Conselho (i. e., as decisões substantivas, digamos assim) são tomadas pelo voto afirmativo de 9 membros, incluindo os membros permanentes. Isto quer dizer que, se algum dos cinco membros permanentes votar contra determinada resolução, ela não será aprovada, ainda que conte com o voto afirmativo dos outros 14. Este é o poder de veto de que dispõem essas cinco potências: a capacidade de derrubar qualquer decisão simplesmente com seu voto negativo.
Uma das discussões no processo de reforma da ONU é se eventuais novos membros permanentes - como o Brasil - devem ou não receber o direito de veto. Tudo indica que há uma ampla maioria na Assembléia contra a ampliação do poder de veto.
Qualquer dúvida, não hesite em escrever!
Abraços
Ei Fábio!
Agora entendo porque a maioria é contra. Foi bem esclarecedor, muito obrigada!
Vou escrever sim! Parabéns pelo Blog!
Beijos
Postar um comentário
Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem necessariamente a opinião do autor do blog. Não serão permitidos comentários ofensivos a quaisquer pessoas ou instituições, vocabulário inadequado ou afirmações que violem as regras de cortesia e de boa convivência. Comentários que desrespeitarem tais regras serão excluidos.