terça-feira, 3 de junho de 2008
Comentários sobre a prova de Política Internacional
Caros,
Coube a mim elaborar os comentários sobre a prova de Política Internacional do CACD 2008, dando contuinuidade à série iniciada com os comentários feitos pelo Maurício em relação às provas de História do Brasil e de Geografia. Vamos analisar as questões, com a ressalva de que o que se pretende aqui é dar algumas indicações básicas, não-exaustivas, sobre uma possibilidade de resposta. Procurarei, a partir do entendimento do comando da questão, ressaltar as estratégias que poderiam ter sido adotadas na resposta, bem como o que se exigia do candidato em termos de capacidade analítica e crítica e de conhecimento de fatos e dados.
Aproveito para reiterar que as sugestões de respostas aqui publicadas são análises subjetivas, de minha autoria exclusiva, e que não há aqui qualquer tentativa ou pretensão mínima de fornecer ao candidato nem gabaritos de provas, nem modelos de respostas. Todas as informações aqui publicadas estão ao alcance de todos nós por meio dos estudos que, na qualidade de candidatos e/ou estudiosos do(s) tema(s), realizamos sobre os assuntos abordados.
Espero que o tópico seja útil e que contribua para o debate e para a preparação de candidatos a provas futuras.
Questão 1
A crescente aproximação com os grandes países emergentes constitui uma nova perspectiva aberta pela política externa brasileira. Discorra sobre essa aproximação, destacando os interesses que a orientam.
Espera-se que o candidato saiba compreender a aproximação com os grandes países emergentes (África do Sul, China, Índia, Rússia e, mesmo, México) no quadro da política externa brasileira, o que torna necessário discorrer sobre a prioridade conferida pela Diplomacia brasileira às chamadas "relações Sul-Sul". Quanto aos interesses, pode-se identificar a diversificação das relações econômicas e comerciais, que implicam uma maior presença em mercados não-tradicionais, com destaque, obviamente, para as grandes economias emergentes, mercados extremamente atraentes em nível global; a disseminação de investimentos brasileiros em grandes países em desenvolvimento, nas áreas petroquímica, de mineração, de construção civil e de transportes; a construção de parcerias ditas estratégicas (como a que o País tem com a China desde 1993) e de alianças políticas com grandes países do "Sul" (como o IBAS); a proposição de iniciativas regionais e globais para o desenvolvimento, sem necessariamente contar com a atuação do "Norte" (como as ações de combate à fome e à pobreza no âmbito do IBAS); a defesa de reformas nas estruturas de governança global ("nova geografia comercial internacional", G-20 e G-4/Índia, por exemplo). Evidentemente, em todas essas dimensões de nossa política externa, o candidato deve concentrar-se nas relações do Brasil com os grandes países em desenvolvimento. Dessa forma, falar de G-20 não basta; recomenda-se falar sobre as relações do Brasil com a Índia e a China no âmbito desse grupo, para ficar num exemplo apenas.
Inevitável falar de IBAS, BRIC (pode-se citar a recente reunião de ministros de relações exteriores do grupo informal em Ekaterimburg, na Rússia), G-20, da cooperação com a Índia no G-4. O candidato pode favorecer uma estratégia pela qual elabore os interesses do Brasil, tal como pede o comando da questão, ilustrando-os com as diversas iniciativas, bilaterais ou multilaterais, que o País tem tomado em relação a esse tema de sua política externa ao longo dos últimos cinco anos.
Questão 2
Analise a importância conferida pelo Brasil aos biocombustíveis para a promoção das agendas de meio ambiente, de desenvolvimento e de combate à fome e a pobreza.
Recomendável que o candidato disserte sobre cada uma das três agendas em separado, concentrando-se no papel dos biocombustíveis, segundo a política externa brasileira, em cada uma delas. Espera-se que o candidato saiba articular os principais argumentos arregimentados em defesa dos biocombustíveis: promoção de combustível limpo e renovável, redução das emissões de gases de efeito estufa (meio ambiente); promoção de alternativa econômica viável à população rural de países em desenvolvimento (cabe citar projetos que o Brasil tem com Reino Unido e Estados Unidos para o desenvolvimento da produção de biocombustíveis em países africanos, centro-americanos e caribenhos); capacitação tecnológica de atividades rurais envolvidas na cadeia de produção de biocombustíveis; elevação do nível de renda no campo, não-competição com culturas alimentícias (desenvolvimento e combate à fome), etc.
Pode-se aproveitar o ensejo do recente debate em torno da escalada dos preços internacionais das commodities agrícolas e sua relação com os biocombustíveis. O candidato pode identificar os argumentos que o Brasil tem apresentado em defesa de sua política energética no que respeita aos biocombustíveis - que acaba, inclusive, de ser respaldade pelo Secretário-Geral das Nações Unidas na Conferência que se realiza sobre a questão no âmbito da FAO, em Roma, nesta semana -, como, por exemplo, o uso relativamente pequeno das terras agriculturáveis do País para o cultivo de cana-de-açúcar (aproximadamente 1% da área total), concentrado em terras de pastagens; o crescimento paralelo da produção de cana-de-acúcar e da produção de grãos (espera-se safra recorde para 2008); a alta produtividade do etanol de cana-de-açúcar, em comparação com o etanol de milho, maciçamente produzido nos EUA; a necessidade de se diferenciar o etanol da cana do etanol do milho, para fins econômicos e ambientais, entre outros.
Questão 3
Discorra sobre a relevância dada ao continente africano no contexto da política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Espera-se que o candidato saiba contextualizar a política africana do Brasil no quadro da prioridade conferida, pela política externa do País, às relações com os países do "Sul". À luz dessa análise, o candidato deve identificar a importância da África para o Brasil. Uma estratégia recomendável é trabalhar em áreas temáticas (político-diplomática, estratégica, econômico-cultural e histórico-cultural) e, em cada uma delas, identificar iniciativas do Brasil a título de ilustração. Dessa forma, pode-se começar pela importância política e diplomática do continente e a articulação do Brasil com países africanos em foros multilaterais internacionais, a exemplo da Assembléia Geral das Nações Unidas, a parceria com a África do Sul no IBAS e, no contexto das relações bilaterais regionais, a Cúpula África-América do Sul (AFRAS). Pode-se, em seguida, abordar a importância estratégica do continente para o Brasil, uma vez que ele se encontra na outra margem do Atlântico Sul, o que legitima iniciativas como a ZOPACAS, um maior engajamento do Brasil em forças de paz autorizadas pela ONU em atuação em países atlântico-africanos (especialmente em quatro operações de paz em Angola, UNAVEM I, II e III e MONUA, mas também em outras operações, como na Libéria/UNMIL e na Costa do Marfim/UNOCI), o projeto, apoiado pelo Brasil, de tornar o Hemisfério Sul uma zona livre de armas nucleares (ZLAN), com a eventual entrada em vigor do Tratado de Pelindaba, a "contraparte" africana do Tratado de Tlatelolco (recordemos que o Pacífico e o Sudeste Asiático são ZLANs, nos termos dos tratados de Rarotonga e Bangcok, respectivamente) e a concertação com países africanos, como o Egito e a África do Sul, nos debates em torno do desarmamento nuclear (inclusive no âmbito da chamada Coalizão da Nova Agenda, lançada por Brasil e mais seis países para impulsionar as discussões sobre o desarmamento nuclear).
Em relação aos interesses econômicos do Brasil na região, figuram, entre outros, a penetração de empresas multinacionais como a Vale, a Petrobras e a Odebrecht em países como Angola, Moçambique, Líbia, África do Sul; a expansão acelerada do comércio, com destaque para países "estratégicos", como Angola, fornecedora de petróleo para o País; o desenvolvimento de projetos relacionados aos biocombustíveis, como, por exemplo, em Moçambique, que envolvem o compartilhamento de tecnologias; o aporte de expertise brasileira na área agrícola, com a instalação de escritórios regionais da Embrapa; o interesse mútuo na liberalização dos mercados agrícolas e a atuação conjunta, com certos países, na Rodada Doha, no âmbito do G-20. Por último, pode-se dissertar sobre os laços históricos e culturais que unem o Brasil àquele continente, tema cuja obviedade não pode escapar ao candidato.
Questão 4
Considerando as posições defendidas pelo Brasil nas negociações sobre mudança do clima, analise os desafios que o país enfrenta nesse tema da agenda internacional.
Necessário, em primeiro lugar, identificar a posição do Brasil em relação à questão: o Brasil apóia os esforços internacionais de combate às causas e mitigação dos efeitos da mudança climática; é parte na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, 1992) e de seu Protocolo de Kyoto (1999). Defende o princípio da "responsabilidade compartilhada, mas diferenciada", no entendimento de que cabe aos maiores poluidores a maior parte do ônus no enfrentamento ao aquecimento global e, como conseqüência, defende que as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa sejam obrigatórias apenas para os países desenvolvidos (países do Anexo I do Protocolo de Kyoto).
Em relação aos desafios, entendida a posição do Brasil, o principal deles talvez seja seguir na defesa desse princípio diante de pressões de países desenvolvidos para que os países em desenvolvimento assumam metas obrigatórias, tornadas inequívocas na Conferência de Bali, em dezembro passado. Outros desafios incluem a contribuição do País para a redução global das emissões de gases de efeito estufa, por meio de reduções voluntárias que, a propósito, podem ensejar projetos implementados com países desenvolvidos no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo; a redução do desmatamento na Amazônia e a defesa contra críticas e pressões de países desenvolvidos e de ONGs; a atuação conjunta com outros países em desenvolvimento com vistas a manter a validade do princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Vale recordar, por último, que o País tem um papel de protagonista nas discussões; foi um dos propositores do MDL e, na atualidade, defende iniciativas próprias como a criação de fundos internacionais, um de combate ao aquecimento global, ao qual países em desenvolvimento teriam acesso para financiar projetos ambientalmente sustentáveis que implicassem a redução de emissões de gases de efeito estufa, e outro de combate ao desmatamento.
Boa sorte a todos nas próximas provas.
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