Seguidores

quarta-feira, 16 de abril de 2008

DICAS GERAIS DE PREPARAÇÃO ÀS ÚLTIMAS FASES DO CACD

Antes de discutirmos a preparação matéria por matéria, como fizemos para a primeira fase do CACD, é importante debatermos os aspectos gerais da preparação para as últimas etapas do concurso de 2008. A quantidade de e-mails e mensagens que recebemos com perguntas a respeito de métodos de estudo, de quantidade de horas de leitura diária, da utilidade de fazer um curso preparatório ou aulas particulares é muito grande e essas dúvidas merecem uma discussão um pouco mais detalhada.





Em primeiro lugar, não existe uma receita "mágica" e nem mesmo um metodologia que possa ser considerada "mais indicada" para qualquer candidato. Não faz tanta diferença se o candidato estuda quatro, seis ou oito horas por dia, o que faz a diferença é qual o grau de absorção do conteúdo e qual o nível de conhecimento consolidado que o candidato tem em cada matéria. Mais do que procurar fórmulas prontas entre os já aprovados (que são as mais diversas possíveis), o candidato precisa encontrar o método mais adequado às suas necessidades. Cada indivíduo tem um ritmo de leitura e uma habilidade específica mais forte, que precisam ser encontradas.



Entre os aspectos mais importantes da preparação para as últimas etapas, a abrangência do programa de estudos é o de maiores implicações para qualquer estratégia. Ao contrário do que parece, o concurso de 2009 está mais difícil. A redução do tempo das provas para quatro horas veio acompanhada da redução de cinco para quatro questões discursivas. Diante de um programa tão amplo e diversificado, que é impossível de ser exaustivamente estudado no médio prazo, a retirada de uma questão diminui ainda mais o espectro de abrangência das provas. Menos temas serão abordados dentro de um conjunto que permanece o mesmo. Diante desse fato, a cobrança de uma questão relacionada a um tema cujo o candidato não tenha domínio suficiente causará impactos proporcionalmente maiores na nota final e, dessa forma, na aprovação. As inéditas questões de extensão e peso diferenciado( duas de noventa linhas com peso de trinta pontos, duas de sessenta linhas com peso de vinte pontos) também modificam drasticamente a formulação da prova, já que será necessária capacidade de concisão e, ao mesmo tempo, a capacidade de elaboração do candidato na construção da resposta.



A leitura da maior quantidade possível de obras indicadas pela bibliografia é fundamental, em todas as matérias. A estratégia mais ingênua é aquela na qual o candidato aposta em "temas quentes", concentra-se neles e conta com a sorte. Ainda que não seja possível dominar todos os tópicos em todas as matérias, é mais do que necessário ter elementos que possibilitem a formulação de uma resposta que combine análise, apresentação de fatos e a aplicação de conceitos relacionais.



A redução do "corte" para 50% da pontuação, ao contrário do que parece, não é um facilitador das provas. Pelo contrário, com a redução da nota mínima exigida as bancas poderão ser mais exigentes na correção, bem como viabiliza uma disputa competitiva entre menos de duzentos candidatos aprovados na segunda fase. Fiquem de olho nesse aspecto!



A realização de exercícios e simulados ajuda significativamente no desempenho final. É nesse aspecto específico que os cursos preparatórios dão grande suporte. A orientação de um bom professor, que seja capaz de "mastigar" os temas e indicar leituras que otimizem o tempo de estudo, é elemento diferencial na estratégia de preparação. Aulas particulares são ainda mais eficientes para a solução de problemas individuais, especialmente nas línguas estrangeiras. Se não houver orçamento para tudo, simplesmente LEIA MUITO, LEIA ATÉ MORRER, DEVORE TODOS OS LIVROS QUE PASSAREM NA SUA FRENTE.



Por último, cabe ressaltar que é sempre melhor estudar para a nota máxima, nunca para a nota mínima. Um desempenho regular em todas as matérias pode reprovar o candidato caso haja um "tropeço" em alguma delas e, acreditem, SEMPRE HÁ.



A impossibilidade de dominar completamente todo o programa, entretanto, induz o candidato escolher prioridades. Para contirbuir nessa escolha, vai aqui minha SUGESTÃO(ênfase no termo, pois não se trata de "receita de bolo"): concentre-se nas sua melhor matéria, estude-a muito para alcançar uma nota acima de oitenta (que serviria de compensação) , e concentre-se também nas suas piores matérias, estude-as muito para reduzir o dano ao mínimo possível. Nas matérias restantes, a regularidade dá a garantia da aprovação.





Antes que algum de vocês diga que é fácil falar, que é muito difícil se preparar ou qualquer outra "ladainha" do tipo, alerto que aquilo que parece impossível o é até que o candidato arrisque o sacrifício e"vá lá e faça". Muitos o fizeram e hoje são diplomatas.



O momento é de superação e dificuldade, meu caros. Baixem a cabeça e vão aos estudos, porque é o ESFORÇO, mais do o talento, que vai aprová-los no CACD 2008.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Impressões sobre a Política Externa Alemã

Já se disse que a Alemanha, como conseqüência da complexidade e delicadeza de sua história, nunca será um país convencional. De fato, o comportamento do Estado alemão em alguns momentos de seu passado semeou ressentimentos que perduram até hoje e disseminou, entre a própria nação alemanha, um sentimento de vergonha que por muitas décadas se traduziu - e continua traduzindo-se - em comedimento e em retraimento nas manifestações de nacionalismo, orgulho nacional e interesse nacional por parte dos alemães - o que inclui, evidentemente, a política externa. Por muito tempo a Alemanha executou uma política externa cuja grande preocupação era afastar as prevenções que existiam contra ela e encontrar seu lugar no mundo, a partir do qual pudesse defender seus interesses sem instigar reações de alusão ao passado, medo e condenação. A evolução da política externa alemã desde a reunificação parece ser a narrativa do sucesso em encontrar aquele lugar...

Como se deu essa evolução? Como tem a Alemanha conseguido elevar-se na cena internacional sem despertar as reações que antes despertara? O processo não foi - e não tem sido - tão fácil como pode parecer. A própria reunificação alemã sofreu, num primeiro momento, forte oposição da França, que tentou não apenas postergar o acordo 4+2 (EUA, França, URSS/Rússia, Reino Unido, RDA e RFA), como também exigiu da Alemanha um preço relativamente alto, quando a unificação tornou-se praticamente inevitável: Maastricht e os planos para acelerar a criação do euro foram as formas que a França encontrou para enquadrar ainda mais a nova Alemanha no contexto europeu, como garantia de que a política alemã fosse cada mais inextricavelmente ligada à política européia e, por extensão, à francesa. O fortalecimento da União Européia foi o compromisso que França e Alemanha assumiram, o expediente que permitiria à Alemanha buscar seu novo lugar no sistema internacional. Já se disse que o euro foi o altar em que a Alemanha sacrificou o marco e seu poderio econômico unilateral em troca da aceitação de sua unificação pela França e pela Europa.

Este artigo pretende fornecer de forma sumária algumas impressões sobre a política externa alemã desde a reunificação, em 1990, partindo de duas constatações básicas: em primeiro lugar, uma política exterior fundamentada na defesa de valores e preceitos como o multilateralismo, a democracia, a segurança regional e internacional, a solução pacífica de controvérsias e o atlantismo tem garantido à Alemanha a confiança da comunidade internacional e a dissipação de contestações e reações a sua inserção mundial, como outrora acontecia com freqüência. Em segundo lugar, nos últimos 20 anos a Alemanha tem buscado e ganhado uma projeção internacional cada vez maior, diplomática e militar, acompanhando sua pujança econômica, o que rompe com a regra da diplomacia relativamente comedida de Bonn durante a Guerra Fria.

A política externa de Berlim pode ser analisada a partir de quatro eixos: a construção conjunta, com a França, da UE; as relações com a Europa do Leste (inclusive a Rússia); a aliança com os EUA; e o engajamento multilateral no sistema internacional.

Desnecessário repisar o caráter fundamental, diria mesmo vital, da aliança com a França para a política externa da Alemanha. Desde 1950, quando da conjugação de esforços para a construção da Comunidade Européia do Carvão e do Aço, sob a inspiração de Jean Monnet e a condução de Robert Schumann e Konrad Adenauer, a aliança estratégica com a França tem sido o elemento básico da política exterior de Berlim. Num primeiro momento, a normalização das relações com Paris, logo após a II Guerra, não seria suficiente para garantir a reinserção da Alemanha no concerto europeu e mundial. Era preciso, de uma vez por todas, afastar qualquer possibilidade de que, pela quarta vez em três gerações, França e Alemanha se confrontassem em campos de batalha da Europa. A engenhosa solução encontrada foi a associação das indústrias básicas de guerra dos dois países, a do carvão e a do aço, e sua administração por uma entidade supranacional, a Alta Autoridade. O Plano Schumann foi aceito por ambos os países, além de Itália e BENELUX, e deu origem ao Tratado de Paris, de 1951, e, mais tarde, ao Tratado de Roma, de 1957, que criava a Comunidade Européia. Em 1963, De Gaulle e Adenauer assinaram o Tratado do Eliseu, marco referencial da aliança estrategica franco-alemã, que institucionalizava encontros periódicos entre as autoridades do país em todos os níveis, inclusive chefes de Estados, e criava a cooperação bilateral em três áreas: juventude (com o claro intuito de disseminar entre a juventude de ambos os países uma cultura para a convivência harmônica e para a cooperação), relações exteriores e defesa. A partir de então, a aliança franco-alemã seria o motor da unificação européia, e a unificação, o processo pelo qual se daria a pacificação do continente. Cedo, portanto, a Alemanha do pós-guerra percebeu que a pacificação da Europa também dependia de si, a despeito de ser um país dividido pelo conflito e, na prática, ocupado pelas potências vencedoras; tal participação, no entanto, exigia, mais do que aconselhava, a aliança com a França, porque apenas em conjunto poderia a Alemanha atuar no plano regional. De inimigo histórico, a França se tornou o parceiro vital de Berlim.

Ao mesmo tempo, a Alemanha tinha consciência de que a pacificação da Europa dependia da conciliação entre Leste e Oeste, tanto quanto possível sob a rigidez do conflito político-ideológico da Guerra Fria. Consolidados os primeiros passos da CE, a Alemanha se volta para o Leste, para o qual vai formular, sob Willy Brandt, a histórica Ostpolitik. Os objetivos fundamentais da Ostpolitik de Brandt era aproximar Bonn de Berlim e normalizar as relações com Moscou e as demais capitais do Leste Europeu. Renunciando ao uso da força, reconhecendo as fronteiras internacionais e aceitando o status de Berlim, a Alemanha Ocidental assinou uma série de tratados com a URSS, a Polônia, a Tchecoslováquia e, inclusive, a Alemanha Oriental, a quem reconheceu, na prática, como país soberano, o que permitiu o ingresso das duas Alemanhas na ONU em 1973. Bonn, no entanto, não renunciou, como jamais renunciaria, ao projeto futuro de reunificar a nação alemã num só Estado.

A aliança com a França e a Ostpolitik são eixos norteadores da política exterior alemã até os dias atuais. Parecem ser, ouso dizer, duas faces de uma mesma moeda: a pacificação da Europa e a reinserção da Alemanha no concerto continental. A única forma de a Alemanha exercitar uma diplomacia que responda a seus interesses nacionais sem ferir as suscetibilidades históricas que ainda permanecem entre si e Paris é dar à França todas as garantias possíveis de que o avanço dos interesses alemães não se fará em detrimento dos interesses franceses, o que se conseguiu, de um lado, pelo estabelecimento de uma relação profunda entre os dois países, em todas as áreas - política, diplomática, militar, comercial, financeira, empresarial, educacional, cultural, científica, nuclear, tecnológica etc. - e, de outro, pelo processo de integração européia, capitaneado pelo próprio bloco franco-alemão.

O caráter da aliança franco-alemão é tão fundamental para os dois países que qualquer análise sobre ela sempre parece insuficiente. Talvez não haja dois outros países no mundo com uma história recente tão intricada, que, conflituosa no início a ponto de levá-los por três vezes à guerra, alterou-se radicalmente quando ambos perceberam a inevitabilidade da convivência harmoniosa, cooperativa e pacífica para a estabilidade e a segurança mútua e do entorno continental. Pode-se afirmar com certo grau de acerto que não há alternativa para a França e a Alemanha à aliança que as mantém unidas há quase seis décadas. Qualquer tentativa de inserção internacional de um dos dois países que desconsidere o outro está fadada a produzir conflitos, derivados da própria intimidade que os une, que podem trazer à tona antigos ressentimentos e memórias de um passado de discórdia não tão distante...

Tome-se o exemplo atual das discussões sobre a União Mediterrânea, uma das prioridades da diplomacia francesa sob Nicolas Sarkozy. A chanceler alemã Angela Merkel não esconde sua insatisfação com a idéia, não apenas porque a Alemanha não é um país mediterrâneo - o que poderia fazer que Berlim ficasse de fora da empreitada, a despeito de garantias por parte de Paris de que isso não ocorreria -, mas também, e principalmente, porque a União poderia concorrer com a União Européia em assuntos como a imigração e políticas para o desenvolvimento dos países ribeirinhos, especialmente no Maghreb e no norte da África. Iniciativa francesa ambiciosa, porque, de forma excepcional, se lança numa iniciativa continental (ainda que englobe apenas o sul da Europa) sem a concorrência da Alemanha. A contrariedade do Auswärtiges Amt face a essa iniciativa do Quai d'Orsay desnuda de forma convincente a dificuldade de que ou Alemanha ou França ensaiem movimentos mais ousados no plano internacional sem o apoio um do outro.

Quanto à Ostpolitik, ela continua sendo uma política ativa da diplomacia alemã quase 40 anos depois de ter sido concebida. Produto de uma condição histórica específica que não mais existe, sua atualidade não é, no entanto, contestada. Em primeiro lugar, porque a própria Alemanha continua divida em duas, não mais politicamente, mas econômica, social e psicologicamente. Isso exige de Berlim consideráveis esforços - e investimentos financeiros, por óbvio - para a integração plena da outrora RDA à dinâmica econômica alemã. Em segundo lugar, a geografia posicionou a Alemanha no centro da Europa, o que torna essencial para sua própria segurança e seu desenvolvimento a estabilidade e a prosperidade daquela região. A situação da imigração ilegal, por exemplo, é apenas a ilustração mais óbvia da percepção alemã de que o Leste Europeu é área prioritária de sua atuação diplomática. Em terceiro lugar, e não menos importante, as relações com a Rússia continuam a ocupar posição de destaque na política exterior, por questões que vão da segurança estratégica da região (o que, entre outras coisas, continua ainda a explicar a presença de 100.000 soldados americanos em solo alemão, 20 anos depois de finda a guerra fria...) ao fornecimento do valioso gás russo para as indústrias e os lares alemães.

A unificação das duas Alemanhas em 1990 permitiu à então restaurada Alemanha exercer uma política mais ativa no Leste Europeu, para além da normalização que lograra com a Ostpolitik de Brandt. O teste de fogo foi o conflito na então Iugoslávia, ao qual a Alemanha respondeu de forma surpreendentemente ativa: o país empreendeu um notável esforço político a favor do envolvimento da Europa no conflito, liderando o reconhecimento da Eslovênia e da Croácia pelos países europeus, em que contou com o forte apoio da Santa Sé (Croácia e Eslovênia são os únicos países majoritariamente católicos que se desmembraram da ex-Iugoslávia). Em 1999, no novo conflito que se deflagara nos Bálcãs, a Alemanha foi além: ao colocar suas tropas sob o comando da OTAN para apoiar a intervenção da aliança contra a Sérvia, participava militarmente de um conflito armado pela primeira vez desde 8 de maio de 1945, quando rendeu-se às forças aliadas que ocuparam Berlim ao final da II Guerra.

A UE é o eixo pelo qual a Alemanha se projeta no Leste Europeu, para além da política bilateral - que usa, em especial, com relação a seus vizinhos de fronteira, Polônia e República Tcheca. Esse é o motivo que explica o grande entusiasmo de Berlim em ampliar a União para aquela região - e Berlim foi de fato um dos maiores articuladores da expansão de 1° de maio de 2004, que estendeu o bloco a dez novos países, oito dos quais "ex-satélites" soviéticos (incluindo aí a Eslovênia, parte da ex-Iugoslávia). Ao lado da UE, a OTAN é o outro instrumento de que procura lançar mão a Alemanha para garantir a estabilidade do Leste Europeu, expandindo a aliança para a região - não apenas para "ex-satélites" soviéticos, mas para ex-repúblicas soviéticas, o que é considerado ultrajante por Moscou, como se evidenciou recentemente na Cúpula de Bucareste. Nesse sentido, seu objetivo é absolutamente coincidente com os desígnios dos Estados Unidos.

E são os Estados Unidos - mais especificamente, as relações transatlânticas - o terceiro eixo da diplomacia alemã. A aliança com os Estados Unidos é, talvez, embora menos do que a aliança com a França, essencial para a Alemanha. Em primeiro lugar, a presença americana no país - militar inclusive - assegura não apenas a própria segurança alemã, ao montar sobre o país um guarda-chuva nuclear que o mantém a salvo de potenciais ameaças, como também dá garantias do comportamento pacífico da Alemanha a seus vizinhos, especialmente a Polônia. Vale a pena elaborar mais esse ponto: a ameaça real da Alemanha a seus vizinhos é muito pequena, inexistente, poder-se-ia dizer. Mas, em política internacional, se a realidade é importante, também o são as percepções que se tem dela... Não se pode fazer tábula rasa da História, e a história das relações de países como a Polônia e a República Tcheca/ex-Tchecoslováquia com a Alemanha são eivadas de conflitos que continuam suscitando desconfianças. Não é à toa que a Polônia é uma das maiores entusiastas de uma aliança com Washington, não apenas porque coibiria a Rússia, mas, também, a Alemanha. Também não é à toa que a Polônia e a República Tcheca aceitaram quase que de primeira hora os planos do Departamento de Defesa de instalar escudos antimísseis em seus territórios. A aliança com os Estados Unidos, para esses países, é fundamental, e a presença daquele país em solo alemão apenas reforça a segurança de que Varsóvia e Praga precisam - ou pensam precisar.

Se a aliança com os Estados Unidos contribui para o reforço dos valores político-liberais fundamentais em que se baseia a diplomacia alemã e torna-se, dessa forma, indispensável para a inserção internacional de Berlim, nem por isso está a Alemanha disposta a sacrificar certos interesses aos desígnios de Washington - e nem aqueles próprios valores. Recordemos, nesse sentido, que a Alemanha de Shröeder se opôs à invasão do Iraque em 2003, fato que contribuiu em muito para uma certa deterioração das relações entre os Estados Unidos e a Alemanha, então enquadrada na "velha e ultrapassada Europa" pelas autoridades de Washington. Diferentemente, talvez, de alguns aliados americanos, a Alemanha não parece disposta a abrir mão de seu desejo de desempenhar um papel mais ativo num mundo que caminha para o multilateralismo.

O engajamento no sistema internacional é o quarto eixo da política exterior alemã, e está intimamente relacionado aos outros três. A aliança com a França, a "neo-Ostpolitik" e o atlanticismo são, todos, elementos à disposição de Berlim para a promoção de Europa unida, estável, próspera e pacífica, em que ela seja protagonista; e uma tal Europa é, por sua vez, a plataforma a partir da qual a Alemanha se lança ao mundo.

Potência econômica de primeira grandeza, a terceira maior economia do mundo e a maior potência exportadora global, a Alemanha não viu, ainda - e pode-se questionar se verá -, seu poder econômico refletir-se num poderio militar equivalente. Agarrando-se firmemente ao pacifismo e aos princípios da segurança coletiva, rejeitando as armas de destruição em massa como recursos de poder e apenas timidamente reiniciando sua participação militar em conflitos, sob os auspícios da ONU, a Alemanha não dispõe de poderio militar suficiente (quando comparado aos das outras grandes potências) para projetar-se no mundo pela força - e nem dá mostras de querer fazê-lo. (A propósito, vale um parêntese: a participação da Alemanha em operações militares ainda encontra forte resistência interna, o que se evidenciou quando da participação nas forças da OTAN em 1999, fato tornado mais grave por não ter a operação contado com o aval do Conselho de Segurança. Houve também intensas discussões quando, mais recentemente, o país decidiu enviar tropas de manutenção da paz para uma região ao norte do Afeganistão). Antes, Berlim prioriza o multilateralismo, que, ao lado da defesa da democracia e dos direitos humanos, é um dos princípios basilares de sua política exterior.

Ainda aqui se torna evidente a disposição da Alemanha de assumir um papel mais ativo na cena internacional, e nada parece ser mais eloqüente, nesse sentido, de que seu pleito por um assento permanente no Conselho de Segurança, objetivo que a faz aliar-se ao Brasil, à Índia e ao Japão no seio do G-4. Também aqui a Alemanha desempenha relevante protagonismo, e tem sido, nos últimos meses, um dos principais articuladores de um grupo informal de países, o Informal Overarching Group, que tem como objetivo retomar as negociações intergovernamentais sobre a reforma do Conselho e fazer avançar em passos mais céleres a discussões - e ações - sobre a questão.

Em linhas muito gerais, são esses os elementos que norteiam a política exterior alemã contemporânea. Evidentemente que ela não se esgota neles: caberia mencionar, por exemplo, o papel protagônico da Alemanha nas questões ambientais e de desarmamento (a Alemanha é entusiasta de uma idéia ainda em fase seminal, mas que ganha força, sobre a criação de um banco internacional de combustível nuclear, que, em tese, coibiria o desvio de tecnologia nuclear de uso civil para fins militares). Caberia mencionar, ademais, as relações especialíssimas que unem a Alemanha a Israel, que levam a Alemanha a condenar veementemente o programa nuclear iraniano e a trabalhar, junto com os demais P-5 (membros permanentes do Conselho de Segurança), para uma solução da questão, inclusive por meio da aplicação de sanções. Quanto ao Brasil, a Alemanha tem sido parceiro importante desde os anos 1970, especialmente a partir do famoso acordo nuclear de 1975. Desde então, o relacionamento tem-se aprofundado, graças, entre outros fatores, aos valores e estratégias fundamentais que unem os dois países, como a defesa do multilateralismo, e necessidade de reforma dos centros decisórios internacionais, a defesa do Direito Internacional, a defesa do desarmamento, entre outros tantos.

A Alemanha tem sido, desde há muito tempo, um grande protagonista das relações internacionais, mesmo que nos limitemos a sua história moderna como nação, desde 1861, desconsiderando o papel decisivo que outrora exerceram o Sacro Império, a Confederação Germânica, a Prússia... Mesmo durante a Guerra Fria, quando cindida pela lógica de uma guerra que terminara e de outro que começava, não deixou de estar no centro dos acontecimentos. Exemplo bem-sucedido de reconstrução de paradigmas de inserção internacional e de fundação de uma diplomacia pacífica, continua a ocupar espaço importante no sistema internacional, espaço que será maior se, de um lado, confirmar-se a tendência presente de multipolarização das relações internacionais e, de outro, fortalecer-se uma Europa que seja capaz de vocalizar e promover seus interesses no mundo de forma unida. O fortalecimento da UE e a multilateralização do sistema internacional são, dessa forma, duas das principais condições que ensejarão um maior engajamento da Alemanha na cena internacional. Alguns consideram a Alemanha grande potência de segunda categoria ou potência média de primeira categoria, por não dispor de poder militar tal como, digamos, os EUA, a França, o Reino Unido. Ocorre, no entanto, que nem só pelo poder militar se dá a projeção de poder e o exercício da liderança. Melhor, pois, que a Alemanha seja considerada uma grande potência tout court, em busca de seu espaço num mundo cujos contornos vão aos poucos se delineando...




1. A FUNAG disponibiliza em seu site o livro sobre a Alemanha da coleção "Visões Brasileiras", uma ótima obra para os que pretendem saber mais sobre aquele país, especialmente sua política externa. O link é http://www.funag.gov.br/biblioteca-digital/visoes-brasileiras.

2. Para maiores informações sobre a atuação da Alemanha no âmbito do IOG, consulte http://www.reformtheun.org/index.php/eupdate/3920.

sábado, 5 de abril de 2008

Impressões sobre a Política Externa Sul-Africana

Dando continuidade à série de artigos sobre a política externa de países selecionados, retorno, após postagens sobre a Índia, a Rússia e a França, para desta vez falar, em linhas gerais, sobre a África do Sul. Potência média emergente, a África do Sul é um país cada vez mais presente na cena regional e internacional, e tem-se transformado em parceiro importante para o Brasil. Vale a pena, por isso, conhecer um pouco mais sobre a Diplomacia do país.

Vivendo por mais de quatro décadas sob o regime do apartheid, a África do Sul foi um dos países mais isolados da comunidade internacional na segunda metade do século XX. No contexto regional, seus vizinhos temiam a agressividade do regime de Pretória, que, no plano externo, se refletia numa política externa e de defesa eminentemente devotadas às preocupações com segurança, que nem sempre se revelaram defensivas. A África do Sul chegou a desenvolver um programa nuclear para fins militares, e, em meados dos anos 90, o ex-presidente De Klerk revelou que seu país havia construído armas nucleares, às quais renunciara no início da década, tornando-se o primeiro país na História a abrir mão de seu arsenal nuclear. No contexto internacional, a África do Sul foi alvo de sanções dos mais variados tipos, especialmente no seio da Assembléia Geral das Nações Unidas, que, em 1973, aprovou a Convenção para a Supressão e a Punição ao Crime de Apartheid, bem como no âmbito das Conferências Internacionais contra o Racismo, de 1973 e 1983. O boicote à África do Sul alcançava todos os domínios - político, diplomático, militar, econômico, cultural, esportivo -, e levou aquele país a isolar-se por trás da defesa intransigente de seu regime de segregação internamente combatido e internacionalmente condenado.

Na primeira metade dos anos 90, o regime do apartheid começou a ser desmantelado, sob a liderança de De Klerk, processo que culminaria com a eleição de Mandela em 1994. A revolução, por assim dizer, que se fez na África do Sul com a adoção da democracia multi-racial e o repúdio a um regime racista se refletiu, necessariamente, em sua política externa. A partir de meados dos anos 90, a África do Sul redesenharia completamente sua inserção no mundo, com o regresso gradual à comunidade internacional. Retomaria seu assento nas Nações Unidas, seria readmitida na Commonwealth, e ingressaria no G-77, no Movimento dos Não-Alinhados (MNA), na Organização da Unidade Africana (OUA) e na Comunidade da África Austral para o Desenvolvimento (SADC - Southern Africa Development Community).

A partir de 1994/5, Pretória redefiniu radicalmente suas prioridades em política externa, abandonando as questões de segurança a um segundo plano e buscando uma inserção, regional e internacional, sustentada num tripé fundamental: direitos humanos, desenvolvimento e paz. O campo de ação prioritário da nova Diplomacia de Pretória passou a ser seu entorno regional imediato e o continente africano, sem descurar, no entanto, de uma inserção internacional universalista, apoiada no multilateralismo e na defesa do Direito Internacional.

Como potência média emergente, a África do Sul privilegia o multilateralismo por meio do engajamento em instituições internacionais. Regionalmente, procura fazer avançar seu interesse fundamental de criar um entorno imediato pacífico, seguro e próspero por meio da concertação política e da cooperação econômica, financeira e social com seus vizinhos no âmbito da União Aduaneira da África Austral (SACU - Southern Africa Customs Union) e da Comunidada da África Austral para o Desenvolvimento (SADC). A SACU foi instituída em 1969 por África do Sul, Botswana, Lesoto e Suazilândia como uma união aduaneira, com vistas a promover o comércio internacional, tanto intrabloco como extrabloco. Em 2002 negociou-se novo acordo, com a adesão da Namíbia. A SADC, por sua vez, foi criada em 1979 como uma Conferência de Coordenação entre nove Estados da África austral, que aspirava, entre seus objetivos, a fazer frente à África do Sul do apartheid e reduzir a dependência que os ligavam a Pretória. Em 1992, a Conferência foi transformada numa Comunidade, organização internacional que, reformulando seus objetivos, passava a promover a concertação política e a cooperação econômica, cultural e em matéria de infra-estrutura entre seus membros. Na atualidade, a SADC conta com quatorze membros, todos países da África austral e central, inclusive a África do Sul, um de seus mais ativos membros.

No plano continental, a África do Sul, que, ao lado de países como Nigéria, Egito e Líbia, exerce grande influência regional, é um dos expoentes da União Africana (UA - nome que a OUA passou a adotar a partir de 2001). Uma vez mais, a extensão do poder e da influência moral de Pretória se dá por meio de instituições multilaterais. Além da limitação de suas capacidades de poder, que não lhe permite uma ação de grande potência, não raro apoiada em iniciativas unilaterais, um outro motivo explica a atuação sul-africana em seu continente por meio da UA: a presença de outras potências regionais na África. Ao passo que outras regiões contam com uma ou no máximo duas potências que podem ser classificadas como potências regionais, e capazes, portanto, de estender sua ação estabilizadora, inclusive no campo da segurança, a toda a região sob sua influência, a África conta com pelo menos seis potências que detêm essa capacidade: além da África do Sul, o Egito, a Líbia (estes últimos com grande projeção sobre o mundo árabe igualmente), a Nigéria, o Quênia e, possivelmente, o Sudão (estes dois últimos, vivendo fases de convulsão interna - sucessão presidencial e questão darfuriana -, correm o risco de ver minada sua influência regional, ao menos no curto prazo). Há ainda países como o Níger, a República Democrática do Congo e a Argélia, que, embora mais comedidos em suas capacidades e atuação, concorrem para diversificar a constelação de potências regionais e sub-regionais na África.

Essa multiplicade de atores regionais e seus conflitos de interesse se refletem de forma nítida nas discussões intra-africanas sobre a reforma do Conselho de Segurança. Desde a adoção da Declaração de Harare, em 1997, a UA (então OUA) tem adotado uma posição comum em relação a uma eventual reforma do Conselho, posição cristalizada com a aprovação do Consenso de Ezulwini, em 2005. Pelo documento, a UA reivindica ao menos dois assentos permanentes com direito ao veto, cujos ocupantes deverão ser escolhidos pela própria União, e não pela Assembléia Geral, o que exige alterações nos atuais mecanismos de eleições dos membros do Conselho de Segurança. Embora nominalmente todos os 53 Estados da organização se manifestem a favor da posição comum africana, enunciada no Consenso, o fato é que alguns deles buscam formas alternativas de fazer avançar a reforma, bloqueada, entre outras coisas, pela intransigência africana com relação à prerrogativa de veto. Estados como África do Sul e Nigéria, que se acreditam com reais possibilidades de ocuparem os assentos permanentes que venham a ser alocados à África, pressionam por flexibilidade por parte da União, e travam um diálogo mais intenso com outros países extra-continentais mais diretamente interessados na reforma, especialmente os membros do G-4. Por outro lado, alguns outros Estados, desejosos de ocupar tais assentos mas sabedores de suas poucas possibilidades, estariam travando as negociações ao apegar-se deliberadamente ao Consenso como estratégia de paralisação do processo de reforma, e não como demonstração de coerência e apego à posição do continente. Estes países prefereriam, pois, uma não-reforma a uma reforma que contemplasse a África, mas que os deixasse de fora ao incluir outras potências regionais. Este é apenas um exemplo que evidencia o cisma de interesses entre as potências regionais do continente africano.

Finalmente, no plano internacional a África do Sul exibe como asset valioso sua influência moral. País que soube adotar, consolidar e manter um regime democrático e que, quase meio século depois de viver sob um regime racista, soube abraçar a multi-racialidade como valor fundamental da organização de sua sociedade, a África do Sul goza de reputação apreciada no plano internacional. Não é só: suas reformas econômicas e sociais e sua posição intransigente em defesa do desarmamentismo - cuja prova mais cabal foi a destruição unilateral de seu arsenal nuclear no início dos anos 90 - concorrem para aumentar consideravelmente o prestígio do país.

O objetivo da África do Sul é traduzir sua autoridade moral em maior participação política efetiva nos centros decisórios internacionais, especialmente nas Nações Unidas - sua ambição de lograr um assento permanente no Conselho de Segurança reflete a busca por tal objetivo, compreensível ainda mais para um país que se viu praticamente alijado da construção de regras internacionais por décadas. Busca dar sua contribuição à paz ao defender o desarmamento, e de fato atuou com grande destaque em fóruns como a Comissão de Desarmamento e em negociações sobre o banimento de minas antipessoais, o banimento do comércio ilícitio de diamantes como financiamento de conflitos e a regulamentação comércio lícito de armamento leve e armas pequenas (SALW - small arms and light weapons).

Para além dos objetivos do que se poderia chamar "high politics", as relações econômicas são fundamentais para a África do Sul. A soma de suas transações externas responde por mais de 60% de seu PIB. Reconhecendo a necessidade e o caráter estratégico do comércio internacional, a África do Sul é notavelmente engajada no fortalecimento da SACU, inclusive pela negociação de acordos comerciais com outros países e blocos (a união aduaneira já conta com um acordo comercial com a European Free Trade Area - EFTA). Ademais, no plano universal, Pretória participa ativamente do G-20 contra os subsídios agrícolas do mundo desenvolvido e sua proteção comercial.

As relações bilaterais entre o Brasil e a África do Sul são marcadas por adensamento e pela multiplicidade de temas. A ambos interessa a reforma do Conselho de Segurança, e não raro o G-4 tem mantido conversações informais com a África do Sul. Ainda no campo da segurança, Brasil e África do Sul se unem aos esforços de manutenção da paz no Atlântico Sul, sob os auspícios da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACS). Reunidos no IBAS, ambos os países atuam de modo inovador na promoção do estreitamento dos laços e da cooperação Sul-Sul, agindo não apenas com vistas à concertação política, mas, igualmente, com vistas à promoção de cooperação social, cultural e técnica. Finalmente, são parceiros nas negociações comerciais no âmbito da OMC.

Potência emergente, a África do Sul não dispõe de elementos com que contam outros países de igual status, como um grande território ou uma grande população ou, ainda, poder militar considerável. Sua capacidade de atuação, limitada pelas razões expostas, se concentra no âmbito regional e continental. A necessidade da estabilização de novos e velhos conflitos e da solução de problemas e desafios alarmantes na África, no entanto, poderá conferir-lhe uma influência global maior, se se mostrar à altura do desafio de servir como pólo de estabilidade e prosperidade no continente africano. Na atualidade, os esforços de peacekeeping e peace-making de Pretória, atuando essencialmente por meio dos mecanismos da UA, são elementos fundamentais de segurança na África. Colocada pela geografia e pela história num continente com tantas necessidades e desafios, a África do Sul poderá garantir seu lugar na política internacional do século XXI se for capaz de, atuando multilateralmente e ao amparo da legalidade, contribuir para a tão desejada prosperidade e estabilidade da África, que parece, felizmente, despontar no horizonte...

sexta-feira, 4 de abril de 2008

COMENTÁRIOS SOBRE A SEGUNDA FASE DO CACD 2008

Passada a maratona de aulas e de correção de exercícios para a segunda fase, finalmente tenho tempo para fazer algumas considerações a respeito da prova de português, aplicada no dia 30 de março.

Ainda que a prova não tenha sido previsível, não podemos considerá-la "descabida". Não foi cobrado dos candidatos absolutamente nada que estivesse fora do programa ou que não fosse esperado em um processo de preparação adequado, de acordo com a bibliografia OBRIGATÓRIA (destaco essa palavra porque todo o restante da bibliografia do CACD é indicativa e não restritiva). A discussão a respeito da prova e a suposta surpresa dos candidatos estão baseadas no comando da prova de redação e no uso de um poema de Drummond , enquanto todos acreditavam (eu incluso) que Drummond seria tema de uma questão de interpretação. Discutirei ponto a ponto.

É natural que durante o processo de preparação criem-se expectativas e que a busca de uma previsibilidade dê segurança ao candidato. O que não se deve, infelizmente, é basear a preparação para a segunda fase de acordo com um padrão temático pré-concebido. Como venho alertando faz algum tempo, quanto mais previsível for um tema, menor será sua chance de aparecer na prova (o que não significa que necessariamente não aparecerá). O candidato precisa estar preparado para qualquer possibilidade diante da bibliografia apresentada e das relações possíveis entre as temáticas suscitadas. Drummond na redação, portanto, não é nenhuma conspiração com o objetivo de reprovação geral.

A prova de português passou por mudanças nos últimos três anos. Ainda que preserve sua estrutura geral de uma redação e duas questões de interpretação, em 2006 incluiu-se a bibliografia obrigatória e em 2007 modificou-se essa bibliografia. Em nenhuma das três provas houve padrão na elaboração do comando das questões: em 2006 a prova pedia a discussão de um dos aspectos do único excerto apresentado; em 2007 pediu-se uma analogia entre as idéias de três excertos e, em 2008, a prova pediu a elaboração de uma redação sobre o poema apresentado. Como é possível comparar as três provas?

Em primeiro lugar, o comando da questão deixa o tema em aberto. Para alívio daqueles que temem fuga ao tema, não há UMA ÚNICA ABORDAGEM esperada. Por se tratar de um poema, as mais diversas temáticas podem ser suscitadas e debatidas sem nenhum risco para o candidato: o legado da obra de Drummond; o legado como um tema geral; o legado da poesia; as angústias existenciais do eu-lírico ou as relações intertextuais possíveis do poema com outras obras, inclusas as que fazem parte da bibliografia obrigatória da prova (sempre é mais seguro abordar os temas referindo-se ao soneto recorrentemente, mas isso não é obrigatório). Ao se pedir uma redação sobre um poema, fica clara a intenção de ampliar as possibilidades temáticas e não restringir os debates que serão realizados pelos candidatos. Com a experiência de quem já estudou detidamente mais de cinqüenta espelhos de correção de redações aprovadas e reprovadas nos últimos dois anos, afirmo com toda a segurança que, para ser prejudicado no tratamento do tema, o candidato precisaria ter escrito uma redação sobre tema totalmente não relacionado ou tão abstrato que perca a referência do poema apresentado(acredito que aqueles que se restringiram à análise estética e formal do poema terão nota mais baixa).

Em segundo lugar, o comando da questão dá maior liberdade ao candidato na escolha da estrutura da redação. Ao contrário de 2007, em que a prova pedia uma analogia, e de 2006, em que a prova pedia uma dissertação, a redação de 2008 permitiu ao candidato a escolha da estrutura que achasse mais adequada, seja dissertação, seja comentário ou suas variações. O candidato preparado seria capaz de escrever com total desenvoltura, mesmo "surpreendido" pela estrutura da prova de 2008.

Em último lugar, é importante levar em consideração o fato de que os aspectos relacionados à estrutura formal do texto têm peso significativo na nota final. Em 2007, a EFT pesava 30 dos 60 pontos possíveis na redação. O candidato que escrever corretamente e com vocabulário adequado aos padrões da prova dificilmente terá baixo desempenho. Se a banca mantiver, e eu acredito que manterá, o desconto de meio ponto por punição aplicada será preciso errar muito para que a nota fique abaixo de 36 pontos dos 60 possíveis.

As questões de interpretação não foram de alto grau de dificuldade. A análise do excerto de Graciliano Ramos pode ser feita de ângulos bastante distintos, mas igualmente válidos. A comparação entre Caio Prado Jr. e Celso Furtado exigiu apenas conhecimento básico dos conceitos envolvidos e capacidade de fazer uma breve análise relacionada. Não haverá surpresas quanto a essas questões.

A prova foi, na minha modesta opinião, muito bem elaborada. Com a bibliografia obrigatória, o candidato tem um conjunto de opções maior para a abordagem e a banca corretora tem meios para avaliar corretamente o conhecimento dos candidatos. A abertura do comando, embora seja considerada por algumas pessoas um fator de dificuldade, privilegia o candidato capaz de escrever de forma coerente em detrimento do candidato simplesmente "adestrado" a um esquema de prova ou a um tema específico. A insegurança é compreensível e fundamentada na memória traumática do resultado da segunda fase do CACD 2005. Repito, não existe uma conspiração para a reprovação geral, o que existe (e esclareço que é MINHA OPINIÃO, não opinião oficial) é a preocupação de testar a extensão do grau de preparação dos futuros diplomatas além dos temas previsíveis e recorrentes.

Enquanto o edital, o programa e a bibliografia forem respeitados, como foram e serão, e os critérios forem uniformes, como foram e serão, as reclamações não poderão questionar a legitimidade e a idoneidade da prova. Cabe a todos vocês, como eu alerto desde que iniciei este blog, prepararem-se para tudo, de forma abrangente e que contemple todos os pontos do programa do concurso. Não há forma mais segura de conseguir a aprovação.