A surpresa da prova de ontem era esperada. Claro, não me refiro
especificamente ao conhecimento de qual seria a surpresa, mas já era público,
notório e mais do que esperado que a banca da segunda fase buscasse quebrar a
estratégia de treinamento de redações e exercícios adestrados, óbvios, vazios
de conteúdo e descomprometidos com qualquer nível de análise mais aprofundada.
Essa intenção da banca já estava evidente nas provas de 2013 e 2014, nas quais
o comando da redação exigia explicitamente que os candidatos emitissem opinião.
Em 2015, mais uma vez, a prova teve comandos que não deixavam margem para
dúvidas, a não ser que o candidato fizesse leitura desatenta e/ou interpretação
extrapolada das questões. Comentarei cada exercício.
REDAÇÃO
Comando: Tendo por fundamento as ideias do autor do texto acima, discuta o que é
ser um diplomata brasileiro.
O primeiro ponto a ser destacado sobre o exercício de redação é a
necessidade de que o texto motivador fosse o fundamento da
redação. Não se tratava de texto unicamente motivador. Não se tratava de um
mero ponto de partida para a discussão. Ao exigir que o texto fosse o fundamento da
redação do candidato, era estritamente necessário escolher pelo menos um dos
aspectos discutidos pelo autor - por exemplo, a questão da adaptação ou a
questão da perda de identidade - e desenvolvê-lo de forma aprofundada.
O segundo ponto a ser destacado é a especificação da discussão sobre o
que é ser um diplomata brasileiro. A especificação do comando
é a chave para a interpretação daquilo que o candidato devia desenvolver: a
identidade do diplomata brasileiro como profissional, em primeiro lugar, e como
brasileiro, em segundo lugar, considerando as especificidades da nossa
projeção internacional e da nossa cultura em relação ao resto do mundo. Dessa
perspectiva, resultam muitas derivações de análise e argumentação, com base nos
mais diversos conceitos de literatura, cultura brasileira, relações
internacionais e ciência política. O mais importante é que o candidato tenha conseguido
comprometer-se com uma posição e tenha tido a capacidade de analisá-la com
profundidade.
Algumas estratégias de desenvolvimento do tema, infelizmente, terão
resultados abaixo do esperado. Vamos a elas:
a) Contextualizar historicamente, de forma desproporcional, a discussão
sobre a o papel do diplomata. Este é um erro comum: o candidato procura
demonstrar grande conhecimento sobre o tema, mas reserva uma parte muito
pequena do seu texto para desenvolver o tema central - o que é ser um diplomata brasileiro;
b) Ignorar o comando de que o texto motivador devia ser fundamento da
redação. Outro erro muito comum, que resulta em redação que, embora discuta o tema
proposto, o faz de forma tangencial;
c) Concentrar-se na argumentação óbvia ou previsível. Por exemplo,
acredito que 80% dos candidatos concentraram sua argumentação nas funções de
informar, negociar e representar, com alguma aplicação ao trabalho do diplomata
brasileiro. Embora seja um argumento válido e aplicável ao tema, será
excessivamente repetido e previsível, de forma e manter os textos que o
utilizaram como fundamento na faixa de nota mediana dos aspectos
macroestruturais, entre 14 e 16 pontos, a depender da qualidade da escrita;
d) Desenvolver o texto de forma narrativa e com períodos sem relação
sintática de análise clara. Por exemplo, um texto que siga a estrutura de:
afirmação moderada, sequência de exemplos, muda o parágrafo, afirmação
moderada, sequência de exemplos;
e) Conclusões repetitivas. Este é o erro mais grave a ser cometido pelos
candidatos. Em português, as conclusões que apenas repetem a argumentação ou
parafraseiam a introdução são fracas e eliminam deixam o texto sem finalização
da argumentação.
EXERCÍCIO 1
Comando: A partir da leitura dos excertos de texto acima, discorra sobre o valor
da "inspiração" e da "expiração" para o trabalho.
Claramente, o objetivo do comando era evitar qualquer tipo de resposta
preparada. É possível que muitos candidatos tenham interpretado que se tratava
de uma questão sobre o trabalho do escritor. Embora esta seja uma interpretação
possível, em função dos textos motivadores, o comando refere-se somente a
trabalho. Dessa forma, seria possível ter diferentes abordagens para a resposta
sem medo. Infelizmente, parafraseando Mestre Yoda, "o medo da banca leva à
raiva, a raiva leva ao ódio ao exercício, e o ódio ao exercício leva ao sem
força (argumentativa)".
EXERCÍCIO 2
Comando: Comente a opção de Cecília Meireles de levar um dicionário para uma ilha
deserta e aponte, na conclusão, justificando sua escolha, que livro levaria
consigo, caso estivesse na mesma situação da autora.
Sem dúvida, esta foi a grande e esperada "surpresa" da prova
de ontem. O tamanho da surpresa depende do tipo de treinamento realizado pelo
candidato. Aqueles que foram treinados para argumentar, analisar e desenvolver
raciocínio complexo tiveram, certamente, menos dificuldade. Aqueles que apostaram em um treinamento de adestramento, sem nenhuma dúvida, tiveram mais
dificuldade.
O comando foi completamente fechado, sem deixar margem para
interpretações. Era preciso cumprir três etapas em até 150 palavras: a)
comentar a opção de Cecilia Meireles; b) escolher a obra que você levaria para
uma ilha deserta; e c) justificar sua escolha. O descumprimento de qualquer uma
dessas etapas certamente resultará em grande prejuízo à nota de conteúdo do
candidato. As tentativas de não opinar fracassarão, sem a menor margem para
discutir o contrário.
Por fim, acredito que a prova da segunda fase do CACD 2015 possibilitará
a seleção dos melhores escritores, ou, pelo menos, dos mais bem preparados para
desenvolver raciocínio complexo. O número absoluto de reprovados deve aumentar
mais do que a proporção de reprovações, mas, ainda assim, teremos uma terceira
fase muito competitiva, com um número elevado de candidatos preparados.
Boa sorte a todos os meus alunos e ex-alunos, em primeiro, lugar, e aos
demais candidatos, em segundo lugar.