A preparação para o CACD pode ser, em muitos casos, o caminho mais curto para a insanidade. Não faço essa afirmação como uma crítica sarcástica, mas como um constatação baseada na experiência como candidato,em primeiro lugar, e como professor que atua na preparação de candidatos, em segundo lugar. São tantas as pessoas, são tantas as personalidades e os perfis das pessoas envolvidas na preparação, que seria quase impossível tentar descrever todos os tipos. Alguns desses tipos, entretanto, merecem uma análise mais aprofundada.
Como candidato, certamente fiz parte do nem tão seleto grupo de "loucos" que se preparavam para o CACD. Para muito de nós, os obstáculos parecem tão grandes e intransponíveis que somente a adoção de um regime disciplinar quase militar parece satisfazer nossos anseios. Diante do "trabalho de Sísifo" de tentar cumprir todo o programa do CACD, todos os esforços parecem minúsculos. O resultado é o desenvolvimento de um grau, às vezes elevado, de obsessão pela prova: só falamos disso, só pensamos nisso, só imaginamos nossa vida feliz condicionada a esse objetivo cumprido. De certa forma, trata-se de um processo necessário à aprovação. Ainda que não seja preciso tamanho envolvimento 365 dias ao ano, qualquer pessoa que chegue à últimas etapas vai passar por esse processo(em diferentes graus, é claro).
Minha preparação teve duas etapas distintas: dois anos em Porto Alegre, onde fazia somente aulas particulares de inglês e português( até aquele momento não havia uma curso decente por lá) e lia noite e dia, dia noite, horas e horas, aos sábados, domingos e feriados.Lia no ônibus, lia no trabalho, estudava horas por dia em bibliotecas. Felizmente, o sistema de bibliotecas da UFRGS me dava acesso a 100% da bibliografia indicada. Essa primeira fase de preparação em POA, um pouco isolado e dependente de informações pela internet, foi a que me deu base sólida de conhecimento e de domínio do programa da prova. A segunda fase da preparação foi de cerca de sessenta dias, em Brasília, onde pude fazer um curso de revisão intensivo e ter contato com candidatos que estavam, digamos, em estágios mais evoluídos de preparação do que aqueles da minha terra natal. Essa segunda fase foi a que me ajudou a organizar o conhecimento que adquiri mediante milhares de páginas de leitura, mas eu certamente jamais teria sido aprovado sem toda a carga de leitura que tive. O fundamental é que, na primeira etapa da preparação, eu não tinha alternativa: ou lia muito ou desistia. Tracei uma linha reta até meu objetivo e não saí dela até que ele fosse cumprido: desligar-me dessa "obsessão" foi um processo lento e gradual, mas eu acredito que consegui(muito embora haja quem afirme que a manutenção deste blog é um sinal dessa obsessão-he he).
Como professor, tanto de curso preparatório quanto particular, pude observar os mais diferentes comportamentos em relação CACD de candidatos dos mais diversos estágios de preparação. Alguns desses comportamentos levam a erros mais do que evidentes no processo de preparação, mas, infelizmente, é difícil para as pessoas perceberem seus erros de forma clara.
Muitos candidatos consideram-se suficientemente preparados e acreditam que uma revisão razoável das leituras que já fez e algumas aulas serão suficientes. Confiam excessivamente na memória, o que é um erro de significativas proporções. A memória é distorcida com o tempo e somente a realização de releituras constantes pode reduzir essa distorção. Trata-se de fazer esforço extra para manter as informações sempre claras na memória. Tem-se de evitar o vício acadêmico de desvalorizar o conhecimento factual e privilegiar os aspectos gerais e analíticos. A prova objetiva, especialmente, enfatiza o conhecimento "decorado" de um conjunto de obras consideradas básicas. Muitas das questões que revoltam os candidatos são meros trechos de obras básicas que não são lidas pelos candidatos. Não importa o estágio de preparação em que o candidato esteja, sempre há mais o que estudar e há mais o que revisar: superestimar o próprio conhecimento é uma armadilha perigosa.
Outros candidatos fingem que estudam, ou somente acreditam que estão estudando. Fazem uma aula aqui e outra lá, fazem um curso preparatório, mas não lêem quase nada, não estudam fora das aulas e não têm o mínimo foco no CACD. Essas pessoas precisam de um choque de realidade. Ninguém a aprovado por milagre! A sorte pode ajudar na prova objetiva (e isso não é raro), mas não há santo que aprove alguém que não se atirar nos estudos em algum momento. Quanto mais tarde isso acontecer, menores as chances de aprovação.
Um terceiro grupo é formado pelas pessoas que tentam reduzir ao máximo o esforço necessário à aprovação. Muitos buscam fórmulas milagrosas, tentam reproduzir métodos de pessoas aprovadas, tentam encontrar o atalho desse caminho que mais parece uma rodovia de 1000 km de chão batido. Cada candidato precisa encontrar o método mais adequado às suas necessidades! Uns rendem mais com leitura, outros rendem mais com aulas. Uns rendem mais com fichamentos, outros não rendem nada com fichamentos. As tentativas de reprodução de métodos e de redução do esforço quase sempre atrapalham na consecução do objetivo de todos: a aprovação.
Há também os ansiosos e angustiados. Essas pessoas passam mais tempo pensando sobre a prova do que se preparando para realizá-la. Têm tanta preocupação com o edital, com o formato, com os boatos, com o número de vagas e com a composição das bancas que esquecem de se preocupar com as leituras, com o programa da prova, com a solução de suas deficiências em muitas matérias. Como resultado, essas pessoas ficam paralisadas, imobilizadas e, obviamente, não são aprovadas.
O CACD é uma prova com características muito específicas, mas está longe de ser perfeita. O êxito nessa difícil empreitada depende de um sutil equilíbrio entre talento e esforço, capacidade e disciplina. É muito freqüente que um candidato esforçado e disciplinado supere um candidato aparentemente mais bem preparado (uso o advérbio "aparentemente" para enfatizar a diferença entre boa preparação em geral e boa preparação para AS PROVAS). O esforço condicionado por um método falho pode causar desastres, mas a confiança no talento sem esforço pode ser ainda pior.
Por último, é importante que todos tenham consciência de que se tornar diplomata não é o único caminho para a felicidade e que ser aprovado no CACD não coloca ninguém num estágio superior da escala evolutiva das espécies. Ser ou não ser aprovado pode ser conseqüência de muitos fatores circunstanciais, mais do que de fatores estruturais. Tentem não deixar suas vidas se perderem numa obsessão que acabará perdendo o sentido e os tornando infelizes ou deprimidos.
Meu texto parece só falar do óbvio ululante, mas, acreditem, muitas pessoas não percebem essas obviedades.