Após o post
anterior do blog, comentei com o
Professor Maurício, só por provocação, que um texto sobre as razões ERRADAS
para querer ser diplomata deveria ser escrito. Sobrou para mim, para deixar de
ser falastrão, a tarefa de parecer ranzinza – mas os melhores amigos são sempre
aqueles que alertam, creio eu...
Dito
isso, seguem comentários sobre os mantras que eventualmente ouvimos. Afinal,
por que você quer ser diplomata?
* “É meu
sonho de infância” – Que coisa, hein?
O meu era ser piloto de avião, mas descobri que precisaria saber muito
mais matemática do que gostaria, e ser muito menos cego do que sou. Agora
sério... sonhos de infância, embora acalentados docemente e parte da formação
das nossas relações afetivas, nem sempre encontram uma realidade que
corresponda às expectativas – especialmente àquelas criadas ao longo de
décadas. Envelhecer, amadurecer, em qualquer idade, só é bom porque podemos nos
dar o direito de repensar, de evoluir, de mudar. Não gaste meses, ou anos de
sua vida, em um projeto criado por uma criança de oito anos de idade, sem revisá-lo e
concluir sobre a permanência de sua validade.
* “Eu gosto de
política externa” – Excelente!
É mesmo um tema fascinante. Mas você pode alimentar esse interesse sendo um
leitor assíduo de reportagens, artigos e livros sobre o tema, ou quiçá um
pesquisador na área. Gostar de consumir intelectualmente determinado assunto e
fazer dele seu ganha-pão são coisas completamente diferentes.
* “Ah, mas eu gosto de
fazer política externa!” – Muito bem, agora a coisa muda de figura. Ainda assim, saiba que, como
diplomata, a política externa que você “fará” irá se resumir, durante uns 80%
da sua carreira, a cumprir instruções sobre uma pequena parcela de temas
pontuais, imersos em uma enormidade de ações de política externa sobre as quais
você terá nenhum controle e nível limitado de informação. Claro que é muito recompensador ver a frase
que você criou para os pontos de conversação do Ministro de Estado ser repetida
em uma reunião de alto nível... Mas fique feliz, amigo, com seu(s) tijolinho(s)
eventual(is), a menos que você chegue a ocupar, um dia, umas das altíssimas
chefias da Casa.
* “Eu gosto de viajar,
conhecer novas culturas” – É bom, né? Experimente ter de explicar (ou pior, entender) detalhes de
legislação trabalhista de um país confuso no qual você não fala a língua local.
Ou explicar para o mecânico, que nem a língua local dele fala, detalhes do “barulhinho
estranho” que você está ouvindo no seu
carro. Viver em outro país é uma experiência de aprendizado intenso e profundo,
que provavelmente envolverá grandes doses de solidão (mesmo a dois) e diversos
níveis de ruído na comunicação. Além disso, viajar a trabalho pode ser uma
experiência extremamente frustrante, tendo em vista as agendas em geral muito
corridas. Conhecer Londres, todo o tempo de terno, e apenas de dentro de um
táxi, não tem muita graça, acreditem. E isso se você der a sorte de ser
Londres, porque provavelmente as viagens serão mais criativas e menos esperadas
no que diz respeito a destinos. Você não saberá onde a carreira o levará daqui
a quatro ou cinco anos. A menos que se tenha essa consciência, que seu flerte
com o incerto seja perene, recomendo um concurso para o Legislativo ou para o
Judiciário. “Conheça novas culturas” durante suas férias bem remuneradas.
* “Eu quero por conta
do salário” – Boa! Mas
há concursos mais fáceis que pagam mais, e sem o impacto familiar e afetivo que
a vida de diplomata acarreta. Claro que o salário é bom, mas ninguém fica monetariamente
rico por ser diplomata. Sua vida, em especial para os familiares e amigos menos
avisados, ganhará um status (aliás,
outro motivo besta para se tornar diplomata) diferenciado. Você andará
engravatado por aí, poderá vez ou outra ter contato com Altas Autoridades,
morar em casas bastante dignas – que não são suas – e frequentar recepções de
altíssimo nível (principalmente após um exaustivo dia de trabalho, sem a menor
vontade de sorrir, obter informações e aumentar o soft-power do Brasil). Mas,
no fundo, somos uma espécie de anti-Lady Katy:
“gramur eu tenho, só me falta-me o
dinheiro...”
Um
diplomata é um burocrata internacional, senhor@s. Os tempos da diplomacia
costumam ser bastante lentos, e o resultado do trabalho nem sempre imediato,
satisfatório ou reconhecido. Relatórios constantes sobre assuntos de diferentes
níveis de interesse pessoal terão de ser feitos, providências para as quais
você não tem a menor ideia de como proceder serão demandadas. Seus horários
dificilmente permanecerão puramente seus horários, e se você tiver o
mínimo interesse em cumprir bem suas funções, terá de aprender a estudar assuntos
dos quais gosta ou não, a todo tempo.
Portanto,
pense bem sobre seu futuro. Caso você insista na ideia e tenha ficado ainda
mais interessado em se tornar diplomata, mesmo com meu esforço anti-idealista, rasgue
os punhos de renda e seja mais do que bem-vindo ao Serviço Exterior Brasileiro.